Na prática dentária, é fundamental saber gerir os pacientes que tomam anticoagulantes orais para garantir a segurança dos procedimentos efectuados. Quer se trate de patologias cardiovasculares ou de outras condições relacionadas com o risco tromboembólico, os anticoagulantes orais são essenciais na gestão dos doentes, mas a sua utilização apresenta desafios na cirurgia dentária devido ao risco de hemorragia.
- 1 O que são os anticoagulantes orais e para que são utilizados?
- 2 Prevalência de doentes que tomam anticoagulantes
- 3 Fisiologia da coagulação sanguínea
- 4 Tipos de anticoagulantes orais
- 5 O que é o INR e quais são os valores ideais para tratamentos na clínica dentária?
- 6 Protocolos para o tratamento de doentes anticoagulados
- 7 Recomendações pós-cirúrgicas
O que são os anticoagulantes orais e para que são utilizados?
Os anticoagulantes orais são medicamentos administrados por via oral que interferem no processo de coagulação do sangue, razão pela qual são utilizados em doentes com doenças como a fibrilhação auricular (FA), a trombose venosa profunda (TVP) ou a embolia pulmonar (EP), entre outras.
Estes actuam em diferentes fases, impedindo a formação excessiva de fibrina e, consequentemente, a criação de coágulos perigosos que podem obstruir os vasos sanguíneos e causar danos em órgãos vitais como o coração, os pulmões ou o cérebro.
Prevalência de doentes anticoagulados
A utilização de anticoagulantes orais tem aumentado nos últimos anos, representando 10-15% dos adultos, muitos dos quais são doentes com mais de 65 anos de idade. A prevalência continua a aumentar devido a uma maior esperança de vida e a um maior número de doenças diagnosticadas para as quais estes medicamentos são necessários, pelo que uma elevada percentagem de doentes que necessitam de cuidados dentários também são anticoagulados.
Fisiologia da coagulação sanguínea
A coagulação do sangue é um processo que o nosso corpo efectua para evitar a perda excessiva de sangue após uma lesão ou ferida. Envolve diferentes eventos bioquímicos que acabam por formar um coágulo de fibrina para selar os vasos sanguíneos danificados. Este processo pode ser dividido em duas fases:
Hemostase primária
Primeira fase da coagulação em que ocorre a vasoconstrição, o estreitamento dos vasos sanguíneos no local da lesão. As plaquetas aglomeram-se no local para formar um tampão temporário e parar a hemorragia.
Hemostase secundária
Uma série de proteínas plasmáticas numeradas de I a XIII, chamadas factores de coagulação, são activadas para formar fibrina, que se entrelaça e cria uma rede que estabiliza o coágulo e o torna mais durável para parar a hemorragia.
Este processo de duas fases é conhecido como cascata de coagulação, uma vez que os factores são activados sequencialmente, um após o outro. Os anticoagulantes orais afectam principalmente a segunda fase.
Tipos de anticoagulantes orais
Existem dois tipos principais de anticoagulantes orais utilizados na prática clínica dentária:
- Antagonistas da vitamina K (VKAs)
- Anticoagulantes orais diretos (ACO).
Antagonistas da vitamina K
A varfarina e o acenocumarol são utilizados há muitos anos. Os AVK inibem a síntese dos factores de coagulação II, VII, IX e X, que são dependentes da vitamina K. No entanto, requerem uma monitorização constante dos valores de coagulação através de testes laboratoriais como o INR (International Normalized Ratio) para garantir que os níveis se encontram dentro dos limites de segurança.
Anticoagulantes orais diretos
Como o rivaroxabano, o apixabano e o dabigatrano. São medicamentos mais recentes que afectam diretamente a trombina (dabigatrano) ou o fator Xa (rivaroxabano, apixabano e edoxabano). São mais previsíveis, têm um início de ação mais rápido e requerem menos monitorização. Têm também menos interações com alimentos e outros fármacos e são mais fáceis de utilizar em doentes idosos e polimedicados, embora devam ser utilizados com muito cuidado em casos de insuficiência renal.
O que é o INR e quais são os valores ideais para os tratamentos na clínica dentária?
O INR (International Normalised Ratio) é uma medida normalizada utilizada para avaliar a coagulação sanguínea em doentes que recebem anticoagulantes orais, especialmente antagonistas da vitamina K. Compara o tempo de protrombina (TP) do doente com um valor de referência normal para ajustar a dose do anticoagulante e manter um equilíbrio entre evitar coágulos e prevenir hemorragias excessivas.
- O INR normal (1,0) é o valor em pessoas sem tratamento anticoagulante.
- O INR terapêutico (2,0 - 3,0) é um intervalo comum em doentes com fibrilhação auricular, trombose venosa profunda ou embolia pulmonar. É geralmente seguro para a maioria dos procedimentos dentários.
- O INR 3,5 - 4,0 requer maior precaução em procedimentos invasivos e pode exigir ajustes na medicação ou medidas adicionais para controlar a hemorragia.
- O INR > 4,0 indica um risco elevado de hemorragia, pelo que as cirurgias devem ser adiadas até que o INR esteja num intervalo seguro.
Protocolos para o tratamento de doentes anticoagulados
Quando um doente toma anticoagulantes, o risco de hemorragia durante a cirurgia dentária aumenta. Como dentistas, devem ser seguidos protocolos para evitar que isto aconteça, começando com uma avaliação pré-operatória em que o INR é medido 24-72 horas antes da cirurgia para ver em que intervalo se encontra. Se for inferior ou igual a 3,5, não devem ser efectuadas alterações na medicação, enquanto um INR mais elevado pode exigir ajustes.
Durante a cirurgia, são utilizadas técnicas para minimizar os danos nos tecidos, utilizando anestesia local com vasoconstritor para reduzir a hemorragia. É aconselhável optar por suturas reabsorvíveis para que não tenham de ser removidas e para minimizar a manipulação dos tecidos após a operação.
Nos doentes tratados com AVK, especialmente quando o INR é superior a 3,5, pode ser utilizada uma terapêutica de transição, substituindo os anticoagulantes por heparina de baixo peso molecular (HBPM). Em pacientes em uso de OACD, a interrupção temporária da anticoagulação geralmente depende do tipo de cirurgia. Para procedimentos menores, a interrupção geralmente não é necessária, enquanto para cirurgias invasivas, 1 ou 2 doses podem ser interrompidas mais cedo, dependendo do risco de sangramento.
Recomendações pós-cirúrgicas
Após a cirurgia, podem ser utilizados agentes hemostáticos locais, aplicando pressão na zona com gaze contendo ácido tranexâmico, para ajudar a parar a hemorragia. O doente deve seguir uma dieta suave e fria para evitar irritar a ferida e são recomendados analgésicos como o paracetamol ou o diclofenac. O importante é evitar a aspirina ou os AINE.
O doente deve ser educado para identificar sinais de alerta, como nódoas negras, hemorragia contínua ou dificuldade em respirar. Nestes casos, o médico deve ser consultado o mais rapidamente possível. Recomenda-se também uma higiene oral cuidadosa e, em alguns casos, antibióticos para evitar infecções. Para procedimentos menores, como extracções simples, o paciente pode retomar o anticoagulante algumas horas depois.
Antes de tratar um doente anticoagulado, o consultório dentário deve analisar pormenorizadamente o estado de saúde do doente e planear o procedimento em conformidade para reduzir os riscos, especialmente no caso de doentes idosos. Seguindo os passos definidos nos protocolos, é possível efetuar um tratamento dentário seguro.